Já perceberam que todo mundo trata o amor como se ele fosse de uma delicadeza absurda? Não há um poeta, filósofo, vendedor de livro de auto-ajuda que não mencione que o amor é um sentimento frágil que necessita do amparo de uma gama de sentimentos para sobreviver. Quer saber? Temos mais é que mandar o amor tomar no cu dele.
Temos que parar com a palhaçada de afirmar que o amor é uma plantinha que tem que ser regada diariamente. O amor não é porra nenhuma de plantinha. O amor é uma árvore sequóia, é uma muralha, o amor não é essa coisinha mole e sem sistema imunológico que julgamos que ele é.
Temos que enfiar essa idéia na cabeça para não termos medo de enxotá-lo quando ele não estiver agradando. O mundo está cheio de pessoas que vão protelando essa despedida por acreditarem piamente que o amor é um cristal de vidro e que devemos preservá-lo. Na boa, o amor não é frouxo, não é vidro, não é uma combinação rara entre duas pessoas.
O amor é uma jamanta que te atropela a 200 km por hora. E se você sobreviver ao atropelamento, ele também sobreviverá a um belo chute nos fundilhos. Sim, fundilhos, porque o amor é varão, “O” amor, assim, com artigo masculino, coisa de macho, com culhões. Então, mande o amor pastar quando for necessário. Ele não vai magoar, não vai guardar rancor, ele vai é ir atrás de outro corpo que valha a pena porque é assim que o amor e os homens agem.
O amor não dramatiza nada, nós é que dramatizamos por ele. Tanto que pra cada descornado que surge há dois casais novos se formando. É o amor que não perdoa e manda ver em quem passar, o amor é oportuno, vai só esperar alguém baixar a guarda e CRÉU ! E nós, que ficamos em casa chorando as pitangas, achamos que ele que é o fraco da história.
terça-feira, 19 de outubro de 2010
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
Perdão você
Em uma noite de outubro de 1692, em Salém, um povoado de Massachussets, deu-se início ao processo de caça às bruxas, que durante um ano, condenou e matou 20 pessoas, a maioria mulheres, fora 150 pessoas que ficaram a mercê do julgamento, este, que foi interrompido após o juiz Samuel Sewall declarar que havia ido longe demais nas condenações.
Uma vez acusado de bruxaria, o réu passava pelo teste que, inocente ou culpado, o levaria a morte: amarrava-se as duas mãos nas costas e o mergulhava em um lago, isso presenciado pelos familiares e toda sociedade.
Se ele sobrevivesse, seria considerado bruxo, e então, queimado em praça pública. Se morresse, teria sua reputação intacta e à família, devolvida a honra.
Agora finalmente entendi a coerência do processo.
Costumamos matar um amor para descobrirmos que ele é um amor, e sob o corpo do amor morto, damos a devida credibilidade necessária. Durante o julgamento, nada nos abala. Ali, nosso amor de mãos atadas, olhando seu reflexo na água, premeditando o fim ali encurtado e nós, parados, incrédulos, com o julgamento em curso, esperamos pela resposta.
E então a resposta vem. E é tarde demais.
Sem o amor para nos dar importância, damos ao morto o valor que não damos em vida. Esmiuçamos cada manifestação de carinho que ainda sangra na lembrança, choramos por dentro a falta dele, até da ausência consentida, e quando o corpo entorna-se de lágrimas, elas saem, respingando no cadáver frio.
E ele não se mexe. Não há Deus que o faça renascer. Não há lembrança que apazigúe nossa alma de carrasco, não há perdão para nosso ato. A culpa é nossa, não há circustãncia que amenize, só agravantes.
E então damos conta que éramos felizes. E no mesmo segundo, percebemos que não o somos mais.
Então vem o segundo processo: o sepultamento. Devemos, primeiramente, saber que não há volta e que se agarrar ao corpo de nada trará o que foi vivido, não há prolongação depois que nosso amor deu o último suspiro. Não há arrependimento nem declaração que o fará se levantar e nos abraçar.
O amor se foi. E nós ficamos.
O luto é necessário. É o período em que devemos destinar nosso amadurecimento, cobrir a alma de preto, fechar as janelas num domingo de sol, devemos voltar ao nosso bunker e nos soterrar na dor.
Até que nos perdoamos. E prometemos nunca mais repetir tal imaturidade. E só então, mais seguro de si e consciente de que não há amor que perdure em meio a tantas dúvidas, saber que a vida segue e o coração voltará a bater novamente.
E o amor, que julgamos que nunca mais sentiremos, volta, por que o amor é um sentimento oportuno, espera a assepssia do nosso coração para voltar. E ele não tem pressa.
Nós é que temos.
Uma vez acusado de bruxaria, o réu passava pelo teste que, inocente ou culpado, o levaria a morte: amarrava-se as duas mãos nas costas e o mergulhava em um lago, isso presenciado pelos familiares e toda sociedade.
Se ele sobrevivesse, seria considerado bruxo, e então, queimado em praça pública. Se morresse, teria sua reputação intacta e à família, devolvida a honra.
Agora finalmente entendi a coerência do processo.
Costumamos matar um amor para descobrirmos que ele é um amor, e sob o corpo do amor morto, damos a devida credibilidade necessária. Durante o julgamento, nada nos abala. Ali, nosso amor de mãos atadas, olhando seu reflexo na água, premeditando o fim ali encurtado e nós, parados, incrédulos, com o julgamento em curso, esperamos pela resposta.
E então a resposta vem. E é tarde demais.
Sem o amor para nos dar importância, damos ao morto o valor que não damos em vida. Esmiuçamos cada manifestação de carinho que ainda sangra na lembrança, choramos por dentro a falta dele, até da ausência consentida, e quando o corpo entorna-se de lágrimas, elas saem, respingando no cadáver frio.
E ele não se mexe. Não há Deus que o faça renascer. Não há lembrança que apazigúe nossa alma de carrasco, não há perdão para nosso ato. A culpa é nossa, não há circustãncia que amenize, só agravantes.
E então damos conta que éramos felizes. E no mesmo segundo, percebemos que não o somos mais.
Então vem o segundo processo: o sepultamento. Devemos, primeiramente, saber que não há volta e que se agarrar ao corpo de nada trará o que foi vivido, não há prolongação depois que nosso amor deu o último suspiro. Não há arrependimento nem declaração que o fará se levantar e nos abraçar.
O amor se foi. E nós ficamos.
O luto é necessário. É o período em que devemos destinar nosso amadurecimento, cobrir a alma de preto, fechar as janelas num domingo de sol, devemos voltar ao nosso bunker e nos soterrar na dor.
Até que nos perdoamos. E prometemos nunca mais repetir tal imaturidade. E só então, mais seguro de si e consciente de que não há amor que perdure em meio a tantas dúvidas, saber que a vida segue e o coração voltará a bater novamente.
E o amor, que julgamos que nunca mais sentiremos, volta, por que o amor é um sentimento oportuno, espera a assepssia do nosso coração para voltar. E ele não tem pressa.
Nós é que temos.
domingo, 10 de outubro de 2010
Segue
Te amo tanto, e é esse tanto que atrapalha.
Não me basta te ter um dia a cada quinze. Eu preciso me saber sentido, me saber saudoso, me saber querido. Eu preciso.
A distância inquieta e a saudade que nasce no espaço criado quando sua pele se desgruda da minha se expande dentro dela mesma. Eu preciso saber os segundos que faltam para que a minha boca prove o gosto do teu sal.
Não me basta tua presença esporádica, preciso que você bata ponto nos meus sonhos, preciso de você em meus emails, preciso do teu cheiro na minha cama, preciso da tua camiseta suja que me serve de floral pra apaziguar a falta que meu corpo tem do teu.
Não me basta apenas você para matar a saudade de você. Eu preciso dos teus planos, comigo incluso. Dos teus hábitos, comigo construídos. Eu preciso do teu fôlego, o ar carbônico que sai do teu pulmão e invade minhas narinas. Eu preciso de você mais que inteiro, preciso de você do tamanho da minha fantasia, maior que meu delírio, eu preciso de você assim como é e assim como imagino e nenhum dos dois. Eu preciso de você interseccionado, fragmentado, eu preciso carregar você na minha carteira, eu preciso, e com urgência, dos teus restos de comida, da tua louça suja, das tuas meias fedidas, eu preciso de você me amando, me odiando, me retribuindo os gestos e me servindo café na cama. Eu preciso do teu temperamento genioso e da tua simplicidade que ainda não me foi apresentada.
Eu preciso de tudo isso e muito mais. Eu preciso é me dar por satisfeito, preciso meter razão onde só reina fantasia, preciso fincar raízes numa nuvem e é tarefa árdua essa de impor a mim mesmo uma vontade que já nasceu em mim derrotada.
Eu preciso compreender para em seguida aceitar e não apenas redesenhar o relevo que sua agitação provoca no meu cotidiano. Eu preciso apreciar tuas erupções sem me importar com a pele queimando em brasa, eu preciso reiniciar cada vez que você travar, eu preciso gesticular menos, diminuir minha presença na sua presença, preciso retroceder - se é que é cabível voltar atrás em algo que só vai pra trás mesmo. Eu preciso reinventar-me sem ser uma fraude, preciso de 10 kg de maturidade, preciso fazer dos meus olhos o meu corpo e saciar-me o desejo apenas com minhas pupilas, deixar o toque para o inconsiente que me retira de órbita às vésperas dos nossos encontros.
Eu preciso antever a rota e deixar colidir, e de joelhos, juntar os cacos que sobrar dessa trombada. E então, saber esperar pela próxima colisão.
Não me basta te ter um dia a cada quinze. Eu preciso me saber sentido, me saber saudoso, me saber querido. Eu preciso.
A distância inquieta e a saudade que nasce no espaço criado quando sua pele se desgruda da minha se expande dentro dela mesma. Eu preciso saber os segundos que faltam para que a minha boca prove o gosto do teu sal.
Não me basta tua presença esporádica, preciso que você bata ponto nos meus sonhos, preciso de você em meus emails, preciso do teu cheiro na minha cama, preciso da tua camiseta suja que me serve de floral pra apaziguar a falta que meu corpo tem do teu.
Não me basta apenas você para matar a saudade de você. Eu preciso dos teus planos, comigo incluso. Dos teus hábitos, comigo construídos. Eu preciso do teu fôlego, o ar carbônico que sai do teu pulmão e invade minhas narinas. Eu preciso de você mais que inteiro, preciso de você do tamanho da minha fantasia, maior que meu delírio, eu preciso de você assim como é e assim como imagino e nenhum dos dois. Eu preciso de você interseccionado, fragmentado, eu preciso carregar você na minha carteira, eu preciso, e com urgência, dos teus restos de comida, da tua louça suja, das tuas meias fedidas, eu preciso de você me amando, me odiando, me retribuindo os gestos e me servindo café na cama. Eu preciso do teu temperamento genioso e da tua simplicidade que ainda não me foi apresentada.
Eu preciso de tudo isso e muito mais. Eu preciso é me dar por satisfeito, preciso meter razão onde só reina fantasia, preciso fincar raízes numa nuvem e é tarefa árdua essa de impor a mim mesmo uma vontade que já nasceu em mim derrotada.
Eu preciso compreender para em seguida aceitar e não apenas redesenhar o relevo que sua agitação provoca no meu cotidiano. Eu preciso apreciar tuas erupções sem me importar com a pele queimando em brasa, eu preciso reiniciar cada vez que você travar, eu preciso gesticular menos, diminuir minha presença na sua presença, preciso retroceder - se é que é cabível voltar atrás em algo que só vai pra trás mesmo. Eu preciso reinventar-me sem ser uma fraude, preciso de 10 kg de maturidade, preciso fazer dos meus olhos o meu corpo e saciar-me o desejo apenas com minhas pupilas, deixar o toque para o inconsiente que me retira de órbita às vésperas dos nossos encontros.
Eu preciso antever a rota e deixar colidir, e de joelhos, juntar os cacos que sobrar dessa trombada. E então, saber esperar pela próxima colisão.
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
Ao meu príncipe encantado
Você me ama por que eu não te amo.
Eu te amo porque você me ama.
Você não me ama mais por que eu te amo
A estupidez da estrofe acima é o que rege meus relacionamentos, uma relação cármica que governa essa atmosfera da qual cada vez mais desprendo menos energia. É sabido que uma vez conquistado, o objeto amado deixa de ser desejado, confirmando que a expectativa supera - e muito - o prazer do objeto conquistado.
Mas pensei que isso se aplicava somente a camisas, sapatos e bolsas. Desejar algo da vitrine é fácil, a luz incide perfeitamente, o comercial induz status, o cheque especial viabiliza, mas conquistar pessoas e deixa-lãs junto a cintos e sapatos, pendurados no armário à espera de uma lembrança, é inaceitável.
Reconheço tal comportamento porque já fui um desses sapatos. Enquanto me demonstro inatingível, firme, inflexível a qualquer barganha e longe do consumo, sou superiormente interessante. Mas uma vez me conquistado, uma vez ter arrancado as três palavras, perco, e de súbito, todo o interesse inicial.
O meu valor de mercado cai. E então, parte-se rumo a uma nova conquista.
Noto que o que mais aprendo é que ninguém quer um amor e sim um acessório que ande, fale -e principalmente, que fale - pois demonstração de afeto repele qualquer pessoa.
Voce deve dizer, escrever, falar mas nunca demonstrar um carinho. Carinho é sarna, lepra, só de encostar, pega.
Eu te amo porque você me ama.
Você não me ama mais por que eu te amo
A estupidez da estrofe acima é o que rege meus relacionamentos, uma relação cármica que governa essa atmosfera da qual cada vez mais desprendo menos energia. É sabido que uma vez conquistado, o objeto amado deixa de ser desejado, confirmando que a expectativa supera - e muito - o prazer do objeto conquistado.
Mas pensei que isso se aplicava somente a camisas, sapatos e bolsas. Desejar algo da vitrine é fácil, a luz incide perfeitamente, o comercial induz status, o cheque especial viabiliza, mas conquistar pessoas e deixa-lãs junto a cintos e sapatos, pendurados no armário à espera de uma lembrança, é inaceitável.
Reconheço tal comportamento porque já fui um desses sapatos. Enquanto me demonstro inatingível, firme, inflexível a qualquer barganha e longe do consumo, sou superiormente interessante. Mas uma vez me conquistado, uma vez ter arrancado as três palavras, perco, e de súbito, todo o interesse inicial.
O meu valor de mercado cai. E então, parte-se rumo a uma nova conquista.
Noto que o que mais aprendo é que ninguém quer um amor e sim um acessório que ande, fale -e principalmente, que fale - pois demonstração de afeto repele qualquer pessoa.
Voce deve dizer, escrever, falar mas nunca demonstrar um carinho. Carinho é sarna, lepra, só de encostar, pega.
terça-feira, 21 de setembro de 2010
Não quero fazer feio no que tenho a dizer, é incomum esse hábito, um papel a mão, com letra, tão pessoal. Receber uma carta manuscrita é mais íntimo que ouvir um eu te amo.
Voce vê que daqui de onde estou eu só me defendo? Você nota que um abraço meu tem que ser milimetricamente calculado afim de não te provocar embaraço?
Você diz eu te amo com a boca, com emails, torpedos. Não é à toa que te acho superiormente mais interessante do que eu, sempre milhas a frente, você já veio pronto, sabido demais enquanto eu estacionei, versão beta, arcaica, eu deveria ser estudado, não é mais comum tanta cafonice, eu e essa carta escrita combinamos, somos simbióticas, partilhamos juntos da nossa trilha rumo a extinção. Você, mais apto, reina sobre mim.
Fernando
Voce vê que daqui de onde estou eu só me defendo? Você nota que um abraço meu tem que ser milimetricamente calculado afim de não te provocar embaraço?
Você diz eu te amo com a boca, com emails, torpedos. Não é à toa que te acho superiormente mais interessante do que eu, sempre milhas a frente, você já veio pronto, sabido demais enquanto eu estacionei, versão beta, arcaica, eu deveria ser estudado, não é mais comum tanta cafonice, eu e essa carta escrita combinamos, somos simbióticas, partilhamos juntos da nossa trilha rumo a extinção. Você, mais apto, reina sobre mim.
Fernando
terça-feira, 14 de setembro de 2010
O medo
Voce me pede calma, eu me peço calma, pedir, pedir, pedir, que tal oferecer uma dose desse negócio que só conheço na teoria? Que tal dividir o segredo de entorpecer os medos, de equilíbrio, de comportamento socialmente aceitável, que tal sorver um pouco do que me aflige, que tal segurar minha mão enquanto essa agulha entra no meu braço vc sabe que odeio agulhas, vc sabe que odeio hospital, vc sabe que não tenho calma. Vc sabe tanto...e me pede somente o que não posso ter.
Eu não sei mais fazer. Seja o que for que essa amostra vá dizer, eu já decidi por mim, é a última vez. Não tenho calma e também não tenho mais vontade de ponderar. Se esse é o tempo que me resta, chega de barganhá-lo. Não me impeça de interromper o tratamento, ele serve para alguém que deseja protelar a vida que se tem, não é meu caso.
Eu não vivi nada do que imaginei e o choque entre os fatos e o meu nítido insucesso fantasioso não é o mais difícil de lidar. O mais difícil é não ter futuro, é o solavanco que vem do estomago, o vomito aparentemente resultado de nervosismo, dessa minha estréia pouco convidativa que é morrer.
Se minha vida não foi interessante, poderei ao menos fazer da minha morte um espetáculo razoavelmente atraente?
Voce não sabe nada, não é você o alvo das retaliações, sou eu que me olho todo dia e penso o que que eu fiz com a merda da minha vida? Vamos, diz você? O que eu fiz?
Eu não fiz nada. Eu vim a passeio, não me aprofundei em nada, meus filhos amam o palhaço que decorou bem as falas e fez as caretas certas, usei meu pai como reflexo inverso e dá-lhe Freud pra explicar meu tendencioso comportamento. Psicologia reversa, eu sei, igual se aplica a crianças.
Eu não cresci, cara, foi isso. Não virei homem. Comer as vagabundas do meu bairro, me formar em engenharia, largar a vida de solteirão, casar, separar, acordar cedo até nos domingos, correr de manhã, comer menos carboidratos, exercício, leituras, tudo tudo cara, tudo foi só na superfície, nunca me aprofundei, fui um eterno rascunho, eu prometia ! Mas não cumpri o esperado, meu prazo venceu, virei um dos projetos que que enterro na gaveta. Não faltou capital, faltou essa coisinha mágica que todos dizem ser o nosso ponto de equilíbrio: maturidade.
Cara, to aqui chorando feito criança, me mijei nas calças porque senti uma pontada, a dor veio, tranquei a respiração pra acelerar o processo, pensei que se eu facilitar não ia doer tanto, jurei é agora, me fudi, quase rezei mas senti que Deus tava olhando e não botou fé na minha reza, pensei no peito que inchava, o sangue que parecia ser feito de magma, fechei os olhos eu não morri, cara eu não morri porra to esperando a morte já aceitei a idéia mas ela não vem, ta assistindo de camarote eu perder minha lucidez, meu amigo, não posso voltar ao hospital, não da mais. Tenho pressa pra crescer, tenho pressa pra entender o homenzinho de nada que fui e quem sabe, aos 45 do segundo tempo, ganhar paz de espírito pro inevitável.
Dizem que admitir sua fraqueza já é sinal de sabedoria. Eu espero que isso ajude.
Um abraço do seu amigo
Tom
Eu não sei mais fazer. Seja o que for que essa amostra vá dizer, eu já decidi por mim, é a última vez. Não tenho calma e também não tenho mais vontade de ponderar. Se esse é o tempo que me resta, chega de barganhá-lo. Não me impeça de interromper o tratamento, ele serve para alguém que deseja protelar a vida que se tem, não é meu caso.
Eu não vivi nada do que imaginei e o choque entre os fatos e o meu nítido insucesso fantasioso não é o mais difícil de lidar. O mais difícil é não ter futuro, é o solavanco que vem do estomago, o vomito aparentemente resultado de nervosismo, dessa minha estréia pouco convidativa que é morrer.
Se minha vida não foi interessante, poderei ao menos fazer da minha morte um espetáculo razoavelmente atraente?
Voce não sabe nada, não é você o alvo das retaliações, sou eu que me olho todo dia e penso o que que eu fiz com a merda da minha vida? Vamos, diz você? O que eu fiz?
Eu não fiz nada. Eu vim a passeio, não me aprofundei em nada, meus filhos amam o palhaço que decorou bem as falas e fez as caretas certas, usei meu pai como reflexo inverso e dá-lhe Freud pra explicar meu tendencioso comportamento. Psicologia reversa, eu sei, igual se aplica a crianças.
Eu não cresci, cara, foi isso. Não virei homem. Comer as vagabundas do meu bairro, me formar em engenharia, largar a vida de solteirão, casar, separar, acordar cedo até nos domingos, correr de manhã, comer menos carboidratos, exercício, leituras, tudo tudo cara, tudo foi só na superfície, nunca me aprofundei, fui um eterno rascunho, eu prometia ! Mas não cumpri o esperado, meu prazo venceu, virei um dos projetos que que enterro na gaveta. Não faltou capital, faltou essa coisinha mágica que todos dizem ser o nosso ponto de equilíbrio: maturidade.
Cara, to aqui chorando feito criança, me mijei nas calças porque senti uma pontada, a dor veio, tranquei a respiração pra acelerar o processo, pensei que se eu facilitar não ia doer tanto, jurei é agora, me fudi, quase rezei mas senti que Deus tava olhando e não botou fé na minha reza, pensei no peito que inchava, o sangue que parecia ser feito de magma, fechei os olhos eu não morri, cara eu não morri porra to esperando a morte já aceitei a idéia mas ela não vem, ta assistindo de camarote eu perder minha lucidez, meu amigo, não posso voltar ao hospital, não da mais. Tenho pressa pra crescer, tenho pressa pra entender o homenzinho de nada que fui e quem sabe, aos 45 do segundo tempo, ganhar paz de espírito pro inevitável.
Dizem que admitir sua fraqueza já é sinal de sabedoria. Eu espero que isso ajude.
Um abraço do seu amigo
Tom
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Meu vício agora
Bom dia!
Volto a te remeter as cartas pois em mim os olhos estão arejados. Voltei-os a janela, estes mesmos que estavam pueris em tempos ímpetos, numa introspectiva insonssa, maculados por um futuro que não veio, agora retornam sob uma ótica que já julgava inexistente.
Te volto a escrever porque hoje em mim faz verão, um pequeno sol nasceu, fissão de duas bocas que se encontraram simetricamente, evento raro de se observar a olho nu. Preciso que voce entenda: esse amor me recolocou nos eixos.
Não vim agradecer pelo que hoje me é presente - presente, nao haveria palavra mais adequada. Vim comunicar que se há lição a ser observada, vou perceber mais tarde. Vou me queimar inteiro nessa brasa, coração incluído, consiência incluída. Daqui pra dentro tudo que tenho te pertence, voce ganhou minhas chaves e meu acesso íntimo, então peço, fique mais um pouco, está frio lá fora e aqui a sua mão encostada a minha me revela segurança. Se afasto um centímetro da sua pele, o vão ali criado se enche de saudade, então venha, desacelere a pressa, fique mais um pouco.
Mais
ou pouco.
Mas fique.
Volto a te remeter as cartas pois em mim os olhos estão arejados. Voltei-os a janela, estes mesmos que estavam pueris em tempos ímpetos, numa introspectiva insonssa, maculados por um futuro que não veio, agora retornam sob uma ótica que já julgava inexistente.
Te volto a escrever porque hoje em mim faz verão, um pequeno sol nasceu, fissão de duas bocas que se encontraram simetricamente, evento raro de se observar a olho nu. Preciso que voce entenda: esse amor me recolocou nos eixos.
Não vim agradecer pelo que hoje me é presente - presente, nao haveria palavra mais adequada. Vim comunicar que se há lição a ser observada, vou perceber mais tarde. Vou me queimar inteiro nessa brasa, coração incluído, consiência incluída. Daqui pra dentro tudo que tenho te pertence, voce ganhou minhas chaves e meu acesso íntimo, então peço, fique mais um pouco, está frio lá fora e aqui a sua mão encostada a minha me revela segurança. Se afasto um centímetro da sua pele, o vão ali criado se enche de saudade, então venha, desacelere a pressa, fique mais um pouco.
Mais
ou pouco.
Mas fique.
quinta-feira, 27 de maio de 2010
"Saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança para acontecer de novo e não consegue."
Você me ganhou de presente - Paula Toller
Você me ganhou de presente
Com laço e etiqueta de garantia
Foi num dia de alegria
Você fez bem o gesto que eu queria
Mas não deu mole
Não deu mole
Não deu mole
Você não deu mole
Nunca esteve numa de me alcançar
Nem estava no 'mood' de casar
Eu sempre estive à mão, que isso me console
Mas você não
Você não deu mole
Você me ganhou de presente
No laço e na promessa de guarita
Você me sorriu na galeria
E tinha bem o gosto que eu queria,
Mas não deu mole
Não deu mole
Não deu mole, meu bem
Você não deu mole
Nunca teve medo de me ver partir
Nem vai perder seu tempo pra me desmentir
Nem me criticar
Eu que me controle
Porque você não
Você não dá mole
Se eu chorar, você até se comove
Mas assim já é demais
Nem eu me agüento
Porque eu não dou mole
Eu não dou mole
Não dou mole, meu bem
Também não dou mole...
Você me ganhou de presente
Com laço e etiqueta de garantia
Foi num dia de alegria
Você fez bem o gesto que eu queria
Mas não deu mole
Não deu mole
Não deu mole
Você não deu mole
Nunca esteve numa de me alcançar
Nem estava no 'mood' de casar
Eu sempre estive à mão, que isso me console
Mas você não
Você não deu mole
Você me ganhou de presente
No laço e na promessa de guarita
Você me sorriu na galeria
E tinha bem o gosto que eu queria,
Mas não deu mole
Não deu mole
Não deu mole, meu bem
Você não deu mole
Nunca teve medo de me ver partir
Nem vai perder seu tempo pra me desmentir
Nem me criticar
Eu que me controle
Porque você não
Você não dá mole
Se eu chorar, você até se comove
Mas assim já é demais
Nem eu me agüento
Porque eu não dou mole
Eu não dou mole
Não dou mole, meu bem
Também não dou mole...
quarta-feira, 19 de maio de 2010
Cólera
E tua lingua que antes passou pela dela, deixou o vestígio do crime que na minha boca virou cólera. Escorreu pela garganta, veio de bom grado, porém se desmanchou até o estomago, iniciando a cólica que sinalizou o primeiro sintoma do que me envenenou.
Teu corpo, antes meu, possessivo e singular, conjugou o verbo no qual não tenho destreza: nosso. Tuas mãos, mornas e tímidas, agora estão inquietas de olho no relógio que imagino ter sido presente dela. Ele não combina com você, grande demais, acusa o tempo que me resta e diz: volte.
Teu corpo, antes meu, possessivo e singular, conjugou o verbo no qual não tenho destreza: nosso. Tuas mãos, mornas e tímidas, agora estão inquietas de olho no relógio que imagino ter sido presente dela. Ele não combina com você, grande demais, acusa o tempo que me resta e diz: volte.
terça-feira, 11 de maio de 2010
carta 27 - parte 1
Peço desculpas pela voz rouca, se eu pudesse eu lhe escreveria, mas o avanço da doença me impossibilita disso. Lembro - e lembra me é custoso que só eu sei - que foi em um dia claro, porém chuvoso, que notei que não havia firmeza no meu pulso e ele se partiu. A minha última palavra escrita foi "viver", o que soou totalmente contraditório ao que aconteceu. No segundo seguinte ao meu gemido de dor e a ouvir o som cristalino da caneta que rolou para baixo da cama eu morri, pois o que me motivava a viver era o meu desejo de ver esta história chegar aos seus olhos pois sempre tivemos um melhor entendimento pelas palavras, já que as falas, que foram escassas, se contradiziam ao que nos unia. Ou une, eu não sei, ja que não tenho notícias suas há mais de trinta anos e trinta anos não foi tempo suficiente pra te esquecer, apenas no máximo deslocou dos holofotes esse sentimento que carrego contigo, aquele primeiro, bom, e não são variantes, que voce pode acompanhar pelos meus diários.
Imagino seu constrangimento em ouvir essa voz cansada e velha, eu mesma não me reconheço com esse timbre, cansa falar no mesmo ritmo do pensamento, eu sintetizo antes de falar e esqueço, eu mesma não me reconheço, assim como ainda não reconheço de ter feito o que fiz: tornei público meu único segredo e aguardei até o último instante e morrerei esperançosa, aceita de minha irrealização e consiente do que arrisquei, e te digo, não houve risco algum, nem acertos e erros. Houve apenas fatos que não podem s classificar a mesquinhas dos nossos princípios. Não há do que se envergonhar, Francisco, e nao há lamúrias a serem feitas. Precisei renunciar a muita coisa para prosseguir com essa gravação e nunca uma renúncia foi feita com tamanha alegria, logo eu, que nunca suportei perder, aprendi que perder é processo de maturidade.
Não tenho o menor esboço de qual está sendo sua reação a tudo isso, mas peço zelo da sua parte. Não testemunhei amor maior do que este que tenho por ti, esse amor que alimenta-se dele mesmo, que nada pede, que não mediu nem se enquadrou em tudo que li e pense que fosse amar e por ser imensurável, intraduzível, soube que é amor. Te amo além de mim mesma e com toda a fúria e encanto da descoberta e com todo o amadurecimento e a saudade do fim. Não fim do amor, esse perdurou, s desgarrou de mim e segue, meu corpo que não o acompanha mais.
Cecília 19/11/1999
Imagino seu constrangimento em ouvir essa voz cansada e velha, eu mesma não me reconheço com esse timbre, cansa falar no mesmo ritmo do pensamento, eu sintetizo antes de falar e esqueço, eu mesma não me reconheço, assim como ainda não reconheço de ter feito o que fiz: tornei público meu único segredo e aguardei até o último instante e morrerei esperançosa, aceita de minha irrealização e consiente do que arrisquei, e te digo, não houve risco algum, nem acertos e erros. Houve apenas fatos que não podem s classificar a mesquinhas dos nossos princípios. Não há do que se envergonhar, Francisco, e nao há lamúrias a serem feitas. Precisei renunciar a muita coisa para prosseguir com essa gravação e nunca uma renúncia foi feita com tamanha alegria, logo eu, que nunca suportei perder, aprendi que perder é processo de maturidade.
Não tenho o menor esboço de qual está sendo sua reação a tudo isso, mas peço zelo da sua parte. Não testemunhei amor maior do que este que tenho por ti, esse amor que alimenta-se dele mesmo, que nada pede, que não mediu nem se enquadrou em tudo que li e pense que fosse amar e por ser imensurável, intraduzível, soube que é amor. Te amo além de mim mesma e com toda a fúria e encanto da descoberta e com todo o amadurecimento e a saudade do fim. Não fim do amor, esse perdurou, s desgarrou de mim e segue, meu corpo que não o acompanha mais.
Cecília 19/11/1999
carta número 9
Me ofenda, me peça pra ser sua amante, me alimente com migalhas, me seduza como uma vagabunda pois é isto que me resume mas te peço, não me olhe com ternura. Me de todos os motivos pra te odiar, a receita é fácil, me use como você usa suas toalhas, me passe pelo seu corpo e me ponha pra secar ao sol, assim há de se extingir, não há querer que não se arrebente, não há amor que pedure, não há grito que não se silencie.
Cecília
Cecília
segunda-feira, 26 de abril de 2010
Se
E se soubesse esperar
se eu soubesse prever
ou se soubesse ouvir
Isso faria alguma diferença?
E se eu pudesse convenver
Se...
Se você viesse quando insiste em ir
e se pegasse na minha mão e a levasse a boca
se amasasse o lencol com o peso do seu corpo
e o molhasse com a toalha do banho que não te dei
Se...
se acreditasse que sou uma tola em tentar escrever
em pedir em palavras
em acreditar em reflexões
em implorar sem fazer nada
em ir sem sair do lugar
em vigiar sem sequer lhe ver
voce entenderia?
voce acreditaria?
daria credibilidade?
daria afeto?
daria importância?
Se...
fosse a fase que antevesse o nosso encontro
se te encontrasse na tua forma singular
se o caminho da tua casa fosse outro
se a vontade de te ter não oferecesse obstáculo
se o sinal verde fosse ligado
se voce se permitisse
eu seria feliz?
eu seria feliz com voce?
voce comigo?
nós dois, um, ou nós dois, nada?
Se ao menos voce soubesse...
se deixasse...
me permitisse...
se me seguisse...
se me olhasse...
Se...
se eu soubesse prever
ou se soubesse ouvir
Isso faria alguma diferença?
E se eu pudesse convenver
Se...
Se você viesse quando insiste em ir
e se pegasse na minha mão e a levasse a boca
se amasasse o lencol com o peso do seu corpo
e o molhasse com a toalha do banho que não te dei
Se...
se acreditasse que sou uma tola em tentar escrever
em pedir em palavras
em acreditar em reflexões
em implorar sem fazer nada
em ir sem sair do lugar
em vigiar sem sequer lhe ver
voce entenderia?
voce acreditaria?
daria credibilidade?
daria afeto?
daria importância?
Se...
fosse a fase que antevesse o nosso encontro
se te encontrasse na tua forma singular
se o caminho da tua casa fosse outro
se a vontade de te ter não oferecesse obstáculo
se o sinal verde fosse ligado
se voce se permitisse
eu seria feliz?
eu seria feliz com voce?
voce comigo?
nós dois, um, ou nós dois, nada?
Se ao menos voce soubesse...
se deixasse...
me permitisse...
se me seguisse...
se me olhasse...
Se...
quinta-feira, 25 de março de 2010
Pacto - parte I
Fui promovida, terminei de ler – e entender, ou o mais perto que chegarei de entender - aquele livro da Clarice Lispector onde ela come uma barata. Ganhei um quadro lindo numa rifa e agora acredito que o número 24, o número do tal bilhete, é um número de sorte. Assisti cerca de cinco filmes maravilhosos, todos indicações da mesma pessoa, um novo amigo de internet que tem sido um ótimo ouvinte. Fui ao meu primeiro show internacional – Coldplay, simplesmente perfeito ! – e descobri que temperos são mais que alho, sal e orégano.
Se algum conhecido meu com um certo grau de intimidade me questionasse o que tenho feito nesses últimos meses, essa seria uma bela resposta. Vivi, diversifiquei, compartilhei, explorei. Não escalei um Himalaia, mas para quem se emociona com propagandas natalinas, não há se ir muito longe para provar, sentir. Quando perguntei ao meu irmão o que tem ocupado seu tempo, notei que a palavra tempo emprego múltiplos sentidos. O que para mim foram meses, para ele não passou de dez minutos, pois o sentimento que o acompanha é o mesmo há meses.
Meu irmão foi rejeitado da pior maneira que eu penso que alguém possa sê-lo: em cima de um altar, com toda a família presente. Posso estar sendo ingênua em acreditar que essa é a pior forma de rejeição, porém, foi a pior que conheci, e só nos fere de verdade aquilo do qual participamos. Sofrimento alheio comove, mas não machuca.E desse eu participei como madrinha. Aquele abandono, apesar de ter sido absorvido pelos 5 irmãos e nossos pais ali presentes, não diminuiu na divisão. Não...ele multiplicou-se, foi uma ausência que ao invés de deixar um buraco, na verdade soterrou-nos. Meu irmão por pouco não morre nessa avalanche.
O requinte da crueldade foi digno – se é pra dizer que tal ato tenha em si algum elemento de dignidade – de cenas de teatro, contos tristes que iniciam os filmes que falam sobre o pior abandono amoroso existente: aquele sem aviso prévio. Quando uma criança é abandonada, ela não tem conhecimento, pais se despedem com alguma antecedência, não há bilhetes na geladeira dizendo “fui comprar cigarros e não voltaremos mais”mas os filhos notam o afastamento, ainda com eles por perto. Mães, pais, irmãos e filhos somem sem aviso por não suportarem o laço que os unem, renunciam covardemente pois entraram em uma atmosfera que não lhe deram escolha. O abandono surge da vontade de livrar-se de um compromisso que moralmente julgamos eternos, e tudo que é eterno, pede zelo, que muitas vezes não queremos ter. Crianças abandonadas acordam em uma manhã, geralmente de sábado, notando a casa vazia, um silêncio que fala, um nada que as fazem amadurecer em segundos porque nada educa mais do que a sensação de desamparo. Porém, quando se estabelece um acordo entre dois adultos que não possuem laços e portanto não há obrigatoriedade de assim fazê-lo, o abandono é acentuado pois não há justificativa para tal humilhação. Bastava, nem que fosse uma hora antes, quebrar a promessa e então, do lado de fora da igreja, cada um seguir sua vida.
Um noivo abandonado no altar é mais humilhante que uma noiva. Digo isso pois uma noiva sabe desde o primeiro momento quando é abandonada, ela não precisa subir os degraus da igreja para, diante do padre, notar-se sozinha. Ela já o sabe, o noivo não está lá. Basta ela pedir para o motorista dirigir até em casa, no caminho ela mesma já desabotoa o vestido, e longe dos olhares penosos ali lançados, sofrer com o mínimo de dignidade. Um noivo, porém, passará pela dúvida, “noivas se atrasam”, e lá vão-se horas em pé, olhando para a porta, esperando o OK do amigo que vigia a entrada, sofrendo delírios onde ele, em vários momentos, pensa que qualquer barulho antecederá a marcha nupcial, porém, é apenas mais um convidado que cansou de ficar sentado e levantou-se, arrastando o banco, causando aquele som que só não ecoa com mais força pela igreja porque todos estão a comentar, em um cochicho baixinho e que logo se alastra, que a demora da noiva só pode ser por um motivo.
Demorou duas horas e quarenta e sete minutos para que meu irmão começasse a chorar, e a medida que seu choro tornou-se mais alto,a ponto desoluçar, os convidados foram se retirando, onde meus pais, tão desolados quanto eles, encaminharam os convidados para o salão principal da igreja, onde aconteceria a festa. Os pais da noiva fingiram ir até a frente da igreja e foram embora, eles realmente conheciam a filha que tinham.
O que se fala a alguém que foi abandonado na presença das pessoas quem mais amam? O que se faz quando essa pessoa é seu irmão? Não há nada a se falar, nada a se fazer, porém algo precisa ser feito. Ainda no altar, ficamos nós sete, abraçados, por cerca de 20 minutos, onde cada um fez a sua prece. Eu pedi por paz, meus irmãos pediram para que a vadia morresse, meu pais pediram para que fôssemos embora. E assim o fizemos.
Fomos todos para o meu apartamento, era o mais perto e mais amplo, onde meu irmão em estado catatônico deixou-se conduzir como se estivesse em direção a uma valeta. Ele não bebeu nada, não comeu nada. Ele sequer dormiu e não quis tirar a roupa de noivo. Eu e minha mãe cuidamos dele como quem cuida de uma criança morta. Tiramos suas roupas, colocamos embaixo do chuveiro, servimos um café e ele não reagia a nada. Ele sequer falava, não rejeitava nada como geralmente as pessoas feridas de alma o fazem. Ele consentia com cada gesto, deixando-se a mercê do que decidíamos. Para ele, tanto fazia o que nós fizéssemos, e assim foi por uma semana, quando houve sua primeira internação.
Passado tres meses, vejo-o entrar por esta porta e fico feliz que ele esteja vivo, provando que sou mais egoísta do que pensei. Eu o queria vivo, independente do quão sofrivel sua existencia fosse a si mesmo, mas família não são chegadas a democracias, ainda mais aquelas que se amam.
Conversamos pouco porque não havia o que falar. Ficamos por duas horas abraçados no sofá, assistindo filmes e comendo pipoca de chocolate que preparei especialmente para ele. Era tudo o que ele precisava: chocolate e um calor familiar. Quando o filme acabou, com um singelo riso no rosto, ele pediu para ir embora, e vendo que ele estava maravilhosamente melhor do que entrou, o permiti sem hesitação. O acompanhei até a porta, onde ele se enfiou em um táxi e saiu, em direção a casa dos meus pais, onde ele está temporariamente hospedado desde o ocorrido. Sozinha no meu partamento, notei que ele esqueceu uma pequena chave, da qual não soube a que fechadura poderia pertencer. Era uma chave pequena, um tanto amarelada e com certeza antiga. Havia detalhes no cabo que denunciavam isso: os detalhes do desenho, o relevo...uma chave bonita, vou guardar para devolver quando ele voltar.
A parede branca do prédio ao lado é formada por alguns pedaços de espelho. Quando um carro passa e a luz do farol os atinge, provocam um espetáculo na parede da frente, que também é branca. Essa cena caleidoscópico serve de atrativo para que toda noite, eu venha admirar a vista da sacada do meu apartamento. Enquanto observo a cena, lembro do que ouvi de minha amiga semana atrás. Ela não acredita em amor. Segundo ela, nunca amou e sempre foi feliz assim. Não que eu não duvide do fato, mas o ponto que não nos fazem seguir pensamentos iguais é a definição de felicidade, que para ela, é a eterna sensação de festa, de calor na pel. Denise é verão o ano inteiro e amor é um encaixe de neuroses, segundo sua filosofia. Não posso negar que nunca a vi triste, não houve homem que a fizesse perder um sábado de verão trancada no apartamento. Sua capacidade de cura é impressionante e ela mesma assume que nunca amou. Denise não é uma adolescente sem experiência e não precisou ser abandonada no altar para ter repúdio ao amor. “É só olhar em volta. Nós escolhemos amar e ficamos pré-dispostos ao amor e criamos essa necessidade. Amor é criação, não existe nada de soberano nisso porque, todos nós sabemos, que só amamos em troca de algo, nem que seja de uma expectativa.”
Denise ama nos fuzilar com seus comentários. E eu adoro ouvi-los, mesmo que não concorde com uma vírgula. Denise é o tipo de amiga que me fascina, porém, somos afastados por esses conceitos que nos movem.
- Vc acredita em amor porque nunca levou um pé na bunda e nunca teve uma fossa.
- Mas vc tbm nunca amou alguém e n acredita tbm!
- Mas eu sou esperta e vc é romantica, o que pra mim é burrice. Olha teu irmão, teus amigos, me diz, quem vc conhece q é feliz a dois?
- Meus pais!
- Ah, vai saber se é amor o que eles sentem e não comodismo?
- Seja o nome que tiver, quero isso que meus pais tem: alguém pra construir uma vida e morrer velhinha.
- Babaca !
- Sabe Denise, no fundo, eu sei que vc n ve a hora de saber que está errada.
- Ahãm, claro, não vejo a hora mesmo. Vou esperar sentada que nem vc, que acha?
Denise adora discutir comigo porque não me rendo aos seus pontos de vista e seus argumentos super bem estruturados mas em um ponto ela tem razão: apesar de acreditar no amor, nunca amei de verdade, assim como ela. Tive meus namoros, meus chorinhos á toa mas meus finais foram sempre tão pacíficos, sofisticados eu diria. Tive dois longos namoros, um de 5 anos e outro de 4 e na ruptura de ambos, não houve os clichês clássicos que finalizam os relacionamentos que testemunhamos. Foi um acordo, embora sempre partisse do outro lado a decisão, a mim restava acatar e seguir em frente, coisa que eu o fazia porque, eu sempre soube, que não amei esses dois homens. Não era amor, era parecido, ou pelo menos parecido com a visão que tenho da coisa. Porém, nestes ultimos tres meses, comecei a revaliar meus conceitos.
Meu irmão amou – ou ama, não sei – aquela mulher de uma forma que positivamente eu invejava, queria que um homem me desejasse como meu irmao desejava aquela mulher. Era algo primitivo, era um querer inocente, e por ser inocente, impossível de frear. “Pra vida toda.” Ele repetia sempre essas palavras quando falava dela.
Ana 25/03/2010
Se algum conhecido meu com um certo grau de intimidade me questionasse o que tenho feito nesses últimos meses, essa seria uma bela resposta. Vivi, diversifiquei, compartilhei, explorei. Não escalei um Himalaia, mas para quem se emociona com propagandas natalinas, não há se ir muito longe para provar, sentir. Quando perguntei ao meu irmão o que tem ocupado seu tempo, notei que a palavra tempo emprego múltiplos sentidos. O que para mim foram meses, para ele não passou de dez minutos, pois o sentimento que o acompanha é o mesmo há meses.
Meu irmão foi rejeitado da pior maneira que eu penso que alguém possa sê-lo: em cima de um altar, com toda a família presente. Posso estar sendo ingênua em acreditar que essa é a pior forma de rejeição, porém, foi a pior que conheci, e só nos fere de verdade aquilo do qual participamos. Sofrimento alheio comove, mas não machuca.E desse eu participei como madrinha. Aquele abandono, apesar de ter sido absorvido pelos 5 irmãos e nossos pais ali presentes, não diminuiu na divisão. Não...ele multiplicou-se, foi uma ausência que ao invés de deixar um buraco, na verdade soterrou-nos. Meu irmão por pouco não morre nessa avalanche.
O requinte da crueldade foi digno – se é pra dizer que tal ato tenha em si algum elemento de dignidade – de cenas de teatro, contos tristes que iniciam os filmes que falam sobre o pior abandono amoroso existente: aquele sem aviso prévio. Quando uma criança é abandonada, ela não tem conhecimento, pais se despedem com alguma antecedência, não há bilhetes na geladeira dizendo “fui comprar cigarros e não voltaremos mais”mas os filhos notam o afastamento, ainda com eles por perto. Mães, pais, irmãos e filhos somem sem aviso por não suportarem o laço que os unem, renunciam covardemente pois entraram em uma atmosfera que não lhe deram escolha. O abandono surge da vontade de livrar-se de um compromisso que moralmente julgamos eternos, e tudo que é eterno, pede zelo, que muitas vezes não queremos ter. Crianças abandonadas acordam em uma manhã, geralmente de sábado, notando a casa vazia, um silêncio que fala, um nada que as fazem amadurecer em segundos porque nada educa mais do que a sensação de desamparo. Porém, quando se estabelece um acordo entre dois adultos que não possuem laços e portanto não há obrigatoriedade de assim fazê-lo, o abandono é acentuado pois não há justificativa para tal humilhação. Bastava, nem que fosse uma hora antes, quebrar a promessa e então, do lado de fora da igreja, cada um seguir sua vida.
Um noivo abandonado no altar é mais humilhante que uma noiva. Digo isso pois uma noiva sabe desde o primeiro momento quando é abandonada, ela não precisa subir os degraus da igreja para, diante do padre, notar-se sozinha. Ela já o sabe, o noivo não está lá. Basta ela pedir para o motorista dirigir até em casa, no caminho ela mesma já desabotoa o vestido, e longe dos olhares penosos ali lançados, sofrer com o mínimo de dignidade. Um noivo, porém, passará pela dúvida, “noivas se atrasam”, e lá vão-se horas em pé, olhando para a porta, esperando o OK do amigo que vigia a entrada, sofrendo delírios onde ele, em vários momentos, pensa que qualquer barulho antecederá a marcha nupcial, porém, é apenas mais um convidado que cansou de ficar sentado e levantou-se, arrastando o banco, causando aquele som que só não ecoa com mais força pela igreja porque todos estão a comentar, em um cochicho baixinho e que logo se alastra, que a demora da noiva só pode ser por um motivo.
Demorou duas horas e quarenta e sete minutos para que meu irmão começasse a chorar, e a medida que seu choro tornou-se mais alto,a ponto desoluçar, os convidados foram se retirando, onde meus pais, tão desolados quanto eles, encaminharam os convidados para o salão principal da igreja, onde aconteceria a festa. Os pais da noiva fingiram ir até a frente da igreja e foram embora, eles realmente conheciam a filha que tinham.
O que se fala a alguém que foi abandonado na presença das pessoas quem mais amam? O que se faz quando essa pessoa é seu irmão? Não há nada a se falar, nada a se fazer, porém algo precisa ser feito. Ainda no altar, ficamos nós sete, abraçados, por cerca de 20 minutos, onde cada um fez a sua prece. Eu pedi por paz, meus irmãos pediram para que a vadia morresse, meu pais pediram para que fôssemos embora. E assim o fizemos.
Fomos todos para o meu apartamento, era o mais perto e mais amplo, onde meu irmão em estado catatônico deixou-se conduzir como se estivesse em direção a uma valeta. Ele não bebeu nada, não comeu nada. Ele sequer dormiu e não quis tirar a roupa de noivo. Eu e minha mãe cuidamos dele como quem cuida de uma criança morta. Tiramos suas roupas, colocamos embaixo do chuveiro, servimos um café e ele não reagia a nada. Ele sequer falava, não rejeitava nada como geralmente as pessoas feridas de alma o fazem. Ele consentia com cada gesto, deixando-se a mercê do que decidíamos. Para ele, tanto fazia o que nós fizéssemos, e assim foi por uma semana, quando houve sua primeira internação.
Passado tres meses, vejo-o entrar por esta porta e fico feliz que ele esteja vivo, provando que sou mais egoísta do que pensei. Eu o queria vivo, independente do quão sofrivel sua existencia fosse a si mesmo, mas família não são chegadas a democracias, ainda mais aquelas que se amam.
Conversamos pouco porque não havia o que falar. Ficamos por duas horas abraçados no sofá, assistindo filmes e comendo pipoca de chocolate que preparei especialmente para ele. Era tudo o que ele precisava: chocolate e um calor familiar. Quando o filme acabou, com um singelo riso no rosto, ele pediu para ir embora, e vendo que ele estava maravilhosamente melhor do que entrou, o permiti sem hesitação. O acompanhei até a porta, onde ele se enfiou em um táxi e saiu, em direção a casa dos meus pais, onde ele está temporariamente hospedado desde o ocorrido. Sozinha no meu partamento, notei que ele esqueceu uma pequena chave, da qual não soube a que fechadura poderia pertencer. Era uma chave pequena, um tanto amarelada e com certeza antiga. Havia detalhes no cabo que denunciavam isso: os detalhes do desenho, o relevo...uma chave bonita, vou guardar para devolver quando ele voltar.
A parede branca do prédio ao lado é formada por alguns pedaços de espelho. Quando um carro passa e a luz do farol os atinge, provocam um espetáculo na parede da frente, que também é branca. Essa cena caleidoscópico serve de atrativo para que toda noite, eu venha admirar a vista da sacada do meu apartamento. Enquanto observo a cena, lembro do que ouvi de minha amiga semana atrás. Ela não acredita em amor. Segundo ela, nunca amou e sempre foi feliz assim. Não que eu não duvide do fato, mas o ponto que não nos fazem seguir pensamentos iguais é a definição de felicidade, que para ela, é a eterna sensação de festa, de calor na pel. Denise é verão o ano inteiro e amor é um encaixe de neuroses, segundo sua filosofia. Não posso negar que nunca a vi triste, não houve homem que a fizesse perder um sábado de verão trancada no apartamento. Sua capacidade de cura é impressionante e ela mesma assume que nunca amou. Denise não é uma adolescente sem experiência e não precisou ser abandonada no altar para ter repúdio ao amor. “É só olhar em volta. Nós escolhemos amar e ficamos pré-dispostos ao amor e criamos essa necessidade. Amor é criação, não existe nada de soberano nisso porque, todos nós sabemos, que só amamos em troca de algo, nem que seja de uma expectativa.”
Denise ama nos fuzilar com seus comentários. E eu adoro ouvi-los, mesmo que não concorde com uma vírgula. Denise é o tipo de amiga que me fascina, porém, somos afastados por esses conceitos que nos movem.
- Vc acredita em amor porque nunca levou um pé na bunda e nunca teve uma fossa.
- Mas vc tbm nunca amou alguém e n acredita tbm!
- Mas eu sou esperta e vc é romantica, o que pra mim é burrice. Olha teu irmão, teus amigos, me diz, quem vc conhece q é feliz a dois?
- Meus pais!
- Ah, vai saber se é amor o que eles sentem e não comodismo?
- Seja o nome que tiver, quero isso que meus pais tem: alguém pra construir uma vida e morrer velhinha.
- Babaca !
- Sabe Denise, no fundo, eu sei que vc n ve a hora de saber que está errada.
- Ahãm, claro, não vejo a hora mesmo. Vou esperar sentada que nem vc, que acha?
Denise adora discutir comigo porque não me rendo aos seus pontos de vista e seus argumentos super bem estruturados mas em um ponto ela tem razão: apesar de acreditar no amor, nunca amei de verdade, assim como ela. Tive meus namoros, meus chorinhos á toa mas meus finais foram sempre tão pacíficos, sofisticados eu diria. Tive dois longos namoros, um de 5 anos e outro de 4 e na ruptura de ambos, não houve os clichês clássicos que finalizam os relacionamentos que testemunhamos. Foi um acordo, embora sempre partisse do outro lado a decisão, a mim restava acatar e seguir em frente, coisa que eu o fazia porque, eu sempre soube, que não amei esses dois homens. Não era amor, era parecido, ou pelo menos parecido com a visão que tenho da coisa. Porém, nestes ultimos tres meses, comecei a revaliar meus conceitos.
Meu irmão amou – ou ama, não sei – aquela mulher de uma forma que positivamente eu invejava, queria que um homem me desejasse como meu irmao desejava aquela mulher. Era algo primitivo, era um querer inocente, e por ser inocente, impossível de frear. “Pra vida toda.” Ele repetia sempre essas palavras quando falava dela.
Ana 25/03/2010
quinta-feira, 4 de março de 2010
Retalhos
A autenticidade dos meus sentimentos consiste em saber discernir que amei minhas pluraridades. O mais comum é encenarmos um personagem em prol da conquista, e em pequenas doses acrescentarmos nossa personalidade ao papel até que ela ocupe todo o lugar daquilo que inventamos. Isso explica estranheza com que casais que já tenham suas bodas costumam tratar-se. O comum, infelizmente, é tratar o parceiro sem afeto, tal qual tratamos qualquer um que cruze nosso caminho em direção a este parque. Respeita-se o espaço, aliás, um espaço enorme onde a indiferença se instala.
Porém, as minhas personagens se mantiveram, cada uma carrega sua frustração onde a circunstancia me faz reavê-los no limbo, mergulhando na atmosfera encenada para ressurgir aquele amor que condiz ao que me traz saudade.
Se a escassez sentimental me bate, recordo do Caio e a terça-parte que se resume nossa história. Se a serenidade me cansa, recordo do Fernando e nossas brigas diárias. Se desejo uma arrebatação, me torno a recordar as fotos de Régis. Se prossegue mais do que desejado essa insatisfação, releio meus diários, onde cada face obteve seu registro, documentado para suprir a ausência física daqueles que me educaram para o amor promíscuo.
Se me mantenho solteira, eu sei, é para amar a todos esses homens sem amarras nem compromissos. Porém, até entre os fantasmas há ciúmes, e os torno a amar um de cada vez. Viraram minha bengala, quando na verdade não há a menor necessidade de apoio. Eu bem que poderia me casar com um Márcio qualquer, ou um Rafael igualzinho este que me corteja há semanas. Eu posso, mas não quero. O amor correspondido nunca fez nada de bom para mim, por mais que tenham contribuído para a construção do meu caráter.
Talvez seja isso, meus amores me fizeram o que sou, e falta amor a mim mesma. Dei a estes três homens em especial um amor total, porque não há a menor diferença entre amor próprio e a paixão. Me doei até ficar murcha, e murcha, sinto falta do combustível que me tornava uma heroína, pois amar sem medo é digno de heróis que não tibuteiam em jogar-se a morte. É isso: ver-me covarde e com medo me impede de amar alguém novo, alguém que eu não possa antever os gestos, pois todos os três homens que eu amei eu os tinha na palma da minha mão. Eu sempre soube que eles me acompanhariam por muito tempo, desrrtulando-os de qualquer somatória de tempo que costuma-se dar para justificar as importâncias.
Acompanhei, pela soleira da porta, minha neta contabilizando seus amores pela passagem de tempo que cada um permaneceu fisicamente ao seu lado. É um método falho por não ser sincero. Não há inglória naquilo que não veio a duras penas. A gratuidade com que se ama tende a sumir na medida em que impusemos retorno. Antes, quando o meu coração era inabitado, me lembro da irradiação que Teodoro me provocava. Não o considero meu primeiro amor, mas foi ele quem inaugurou o sentimento em mim, talvez aquecendo minha alma para a acolhida de Francisco, que deu-se nove anos mais tarde.
O fato é que Teodoro jamais apresentou-se a mim sem a fachada do companheirismo próprio de crianças que cursavam o primeiro ginasial. Dediquei-lhe lindos corações naquele que foi meu primeiro diário, onde secretamente repousava no meio as iniciais C e T, atravessados por uma flecha.
Era um amor fotossintético: eu, uma flor, ele o sol. Eu girava o dia inteiro afim de me alimentar do seu calor. Ele mantinha sua distância. E isso bastava.
Porém, as minhas personagens se mantiveram, cada uma carrega sua frustração onde a circunstancia me faz reavê-los no limbo, mergulhando na atmosfera encenada para ressurgir aquele amor que condiz ao que me traz saudade.
Se a escassez sentimental me bate, recordo do Caio e a terça-parte que se resume nossa história. Se a serenidade me cansa, recordo do Fernando e nossas brigas diárias. Se desejo uma arrebatação, me torno a recordar as fotos de Régis. Se prossegue mais do que desejado essa insatisfação, releio meus diários, onde cada face obteve seu registro, documentado para suprir a ausência física daqueles que me educaram para o amor promíscuo.
Se me mantenho solteira, eu sei, é para amar a todos esses homens sem amarras nem compromissos. Porém, até entre os fantasmas há ciúmes, e os torno a amar um de cada vez. Viraram minha bengala, quando na verdade não há a menor necessidade de apoio. Eu bem que poderia me casar com um Márcio qualquer, ou um Rafael igualzinho este que me corteja há semanas. Eu posso, mas não quero. O amor correspondido nunca fez nada de bom para mim, por mais que tenham contribuído para a construção do meu caráter.
Talvez seja isso, meus amores me fizeram o que sou, e falta amor a mim mesma. Dei a estes três homens em especial um amor total, porque não há a menor diferença entre amor próprio e a paixão. Me doei até ficar murcha, e murcha, sinto falta do combustível que me tornava uma heroína, pois amar sem medo é digno de heróis que não tibuteiam em jogar-se a morte. É isso: ver-me covarde e com medo me impede de amar alguém novo, alguém que eu não possa antever os gestos, pois todos os três homens que eu amei eu os tinha na palma da minha mão. Eu sempre soube que eles me acompanhariam por muito tempo, desrrtulando-os de qualquer somatória de tempo que costuma-se dar para justificar as importâncias.
Acompanhei, pela soleira da porta, minha neta contabilizando seus amores pela passagem de tempo que cada um permaneceu fisicamente ao seu lado. É um método falho por não ser sincero. Não há inglória naquilo que não veio a duras penas. A gratuidade com que se ama tende a sumir na medida em que impusemos retorno. Antes, quando o meu coração era inabitado, me lembro da irradiação que Teodoro me provocava. Não o considero meu primeiro amor, mas foi ele quem inaugurou o sentimento em mim, talvez aquecendo minha alma para a acolhida de Francisco, que deu-se nove anos mais tarde.
O fato é que Teodoro jamais apresentou-se a mim sem a fachada do companheirismo próprio de crianças que cursavam o primeiro ginasial. Dediquei-lhe lindos corações naquele que foi meu primeiro diário, onde secretamente repousava no meio as iniciais C e T, atravessados por uma flecha.
Era um amor fotossintético: eu, uma flor, ele o sol. Eu girava o dia inteiro afim de me alimentar do seu calor. Ele mantinha sua distância. E isso bastava.
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
Primeira parte - Parte um
O barulho ritmíco dos pingos batendo no telhado acompanhados pela sensação de frescor se destoam completamente do I kiss the girl que ecoa pelo apartamento. Ao perceber que minha filha não respeitou o sono sagrado do sábado que tanto prezo, vejo, como que por reflexo, que não me tornei o pai que prometi ser quando senti pela primeira vez chutá-la com violência a barriga de Abigail. Quando o som furioso adolescente por fim termina e o banheiro finalmente é desocupado, decido que farei a barba – esta mesma que me acompanha desde sempre – e o farei rápido para não perder a reação de minha esposa que sairá pontualmente as 10:00. Enquanto brinco com o aparelho de barba, desenhando formas nos pêlos que me acompanharam há mais de 20 anos – não são os mesmos pêlos, óbvio, mas a sombra que produzem no meu rosto é ancestral – fico pensando se de fato, tenho minhas obrigações com Abigail por encerradas.
Sou marido, pai, filho, amigo, amante. Será isso o suprassumo do que ela espera de mim? Ela não espera de mim um desafio, não anseia pela hora de eu começar a chegar tarde em casa, de ela passar-se por situações de ambiguidade, dúvidas? Sou pra ela todo esse porto seguro indigno de qualquer suspeita?
- Droga! O pequeno corte jorra um sague vermelho um tanto branqueado, já reconheci meu sangue mais intenso, vivo, de um vermelho que me identificava mais que meu próprio rosto. Ao limpar com papel higiênico, tentei lembrar da última vez que o vi. Foi no aniversário de Abigail, de uma data jurássica, onde eu cortei meu pé próximo ao calcanhar em um caco de vidro que sobrou do pote de pepinos que ela arremessou em minha direção na noite anterior. Eu não lembro o motivo, mas sei que o mereci, e melhor, que deveria ter me acertado em cheio, um pote daquela estrutura causaria alguma sequela, tenho certeza. Eu queria vê-la arrependida já que nunca a vi, eu desejava vê-la sem reação. Eu a desejava somente ao avesso: que sua vontade de me ter cessasse. Eu desejava, naquele instante, um repúdio que ela não demonstrava e assim como fazem os casais que se amam, ela brigava, me exigia algo que eu não dava sequer a intenção de dar. Eu não queria sexo naquela noite, eu não queria dormir com ela e não trazia nenhuma mágoa recente para justificar, apenas não queria seu corpo próximo ao meu.
Abigail, vaidosa e com todo o direito de ser, não suportava meus períodos de inverno. Aquela mulher era verão o tempo inteiro, calor na pele, lingua sem freio, destemida. Mulher de áries, cabeça-dura, cabeça linda, com seus fios camomila descendo pelos ombros, finos como uma teia.
Como uma teia...
- Amor, tô atrasada. Sua voz vinha da cozinha, devo ter me passado no banho mesmo já que ela acordou e preparou todo o café, enquanto ainda estou aqui, analisando a forma que o sangue toma ao coagular-se. Rapidamente finalizei a barba revelando um rosto branco, meus olhos se destacaram e senti que de certa forma aparentei estar bem mais moço. Acompanhando o impulso de ver meu rosto mais jovem, tomei um banho rápido e frio, a fim de recuperar o viço da pele. O band-aid no lugar do corte me deu um ar aventureiro. Ri de mim mesmo: cortar o rosto foi minha maior aventura em meses.
Abri a porta do banheiro onde Abigail, inquieta como sempre e não pelo atraso, entrou rapidamente e olhando a sujeira que fiz na pia, voltou e me puxou pelos ombros, já que eu estava de costas. Meu olhar cabisbaixo e envergonhado por não antever sua reação alimentou seu olhar de desejo: ela passou as mãos pela minha pele do rosto desnudada e me beijou profundamente, primeiro o lábio inferior, depois o superior. Por fim, ambos. Seu desejo por mim foi transmitido pela boca, onde reagi em perfeita sincronia e nossas peles se colaram. Eu, nu, e ela de camisola, entramos no box do banheiro e ela, usando uma das mãos, ligou o chuveiro, onde ela não imaginava que jorraria uma água fria. Ri timidamente do seu espanto e ela riu de si mesma.
- Ficou lindo...Disse ela, ao mesmo tempo em que retirava a camisola, revelando-se mais linda do que imaginava. Há meses eu não enxergava Abigail além dos meus olhos acostumados e creio que o mesmo se aplicava a mim. Entre um corte e um jato de água fria surgiu felicidade. Ali vi que amar não é um sentimento de certezas, se ama nos intervalos e minhas dúvidas sobre Abigail escorreram pelo ralo da pia.
Nós não fizemos amor mas eu o queria e ela também, deixamos esse desejo em fogo-brando já que realmente ela estava atrasada. Esperei ela vestir-se e ainda nu, sentado na ponta da cama, com as mãos cobrindo meu pênis, fiquei admirando-a enquanto se vestia. Calcinha, sutiã...por fim o vestido. Como eu queria tirar-lhe a roupa, jogá-la naquela cama umedecida com a água que não sequei do meu corpo e fazê-la rir da nossa pequena traquinagem...
Enquanto ela colocava os brincos, olhando-se no espelho, notei que eu estava com um riso sincero no rosto. Quando ela se virou e me viu, sentado, como um menino tímido contemplando uma mulher, ela abandonou o brinco que tentava pôr e veio em minha direção. Sentou no meu colo e não importou-se com minha pele úmida, e me beijou, segurando meu rosto liso ao mesmo tempo que meus braços a entrelaçavam.
- Preciso. Ir. Agora! E entre uma palavra e outra, Abigail me dava um beijo, igual quando fazíamos na época em que namorávamos no carro, às escondidas. As despedidas sempre foram minha parte preferida, pra tudo. Os arremates me interessavam mais que o desenrolar da trama em si, os pontos de chegada, os pontos de repousos.
Mas estes três beijos não eram finais: era a deixa para o que ocorreria mais tarde, sem pressa. Não foi somente meu rosto que rejuvenesceu, meu casamento voltou 20 anos atrás e a ausencia da barba foi meu álibi para forçá-la a ver-me como antes, mesmo que não tenha sido minha intenção primária. E os beijos intercalados que ela me deu agora tinham a mesma serventia. Serviam para me dizer que ainda há uma Abigail que amo.
Com a mente totalmente varrida de qualquer lembrança – atribuo isso ao estado pleno de felicidade - , me vesti e tomei meu café. Deixei dinheiro para a empregada fazer as compras, acrescentei alguns itens na lista e saí munido apenas de carteira e celular. Era tudo que precisava para hoje.
Quando estava com os dois pés fora de minha calçada, passo a mão no rosto e me recordo: estou sem barba. Senti uma fisgada no estômago e quis, naquele momento, que todo mundo que conheço me visse agora. Já imaginaria os resultados: meio mundo adoraria, outra metade detestaria. Assim como tudo, alguns abraçam o novo e outros enterram os pés no velho. Até hoje pela manhã, eu me enquadrava no segundo grupo. A rotina representava a plenitude, sempre me pareceu o melhor terreno para fazer planos. O descontrole era o meu inferno pessoal.
Caminhei e dei uma volta na quadra afim de reconhecimento. Na verdade, eu quis apenas caminhar, pegar sol na cara, talvez comprar o jornal, não sei ao certo. Saí parcialmente sem rumo, aguardando algo novo que sei que não aconteceria. Eu não sabia o que fazer com essa felicidade que caiu no meu colo pela manhã. Me senti bobo, coisa de guri com a primeira namorada.
Lembrei de Abigail nua no banheiro. Maliciei com a cena e logo senti o incômodo da ereção. Fui caminhando em direção ao muro de uma grande loja que não estava aberta e sem cerimonia ajeitei meu pênis na cueca. Há tantas desvantagens femininas – mestruação, tpm, gravidez, etc – mas são males que as afligem com horários, elas tem a oportunidade de prevenirem. Eis aqui a desvantagem masculina: a ereção. Primeiramente porque quando ela acontece, é notável – alguns mais, outros menos – é espontânea e nem sempre acontece por excitação. Lembro que Abigail adorava me constranger em público quanto a isso: beijava-me os lóbulos da orelha, pescoço, passava a mão na minha virilha somente para vê-lo crescer. Logo após alcançar o objetivo, me deixava literalmente na mão. Ela ria do meu constrangimento mas a verdade é que isso era uma injeção em sua autoestima. E eu me virava como podia, colocando moletons na cintura, andar meio incurvado – o que mais tornava óbvio do que disfarçava, mas eu não percebia – e quando a situação permitia, me masturbava.
- Porque voce gosta de fazer isso comigo? Perguntava eu, entre a ingenuidade e a safadeza, no auge dos 17 anos.
- Porque gosto de te deixar querendo mais...Respondia, com o riso mais sacana que já vi na vida. Quando ela ria daquela forma, eu sabia: game over, Francisco. O jogo acabou, pelo menos para ela. E ainda complementava:
- Adoro essa carinha de cachorro pidão....e me beijava, e muitas vezes recomeçava o processo, o que eu adorava e odiava ao mesmo tempo, brincadeira que me enlouquecia e me mostrava a realidade: é ela quem comanda nossa relação. Eu obedeço e cedo. Ela inciava e finalizava. E eu que me contentasse. E eu sempre me contento...
O sol que prometia um calor massante foi logo se apagando, como uma lanterna com pilha fraca. Olho para o céu: nuvens carregadas e sinto a premeditação do vento forte que virá.
Temporal. Preciso ir para casa. Me apresso e passo por uma banca de revista que não vi quando realizei o percurso de ida. Há 20 metros do edifício onde, apartir de ontem, comecei a morar, compro o jornal e vejo a data: 27 de outubro. Primeiro dia de escorpião, começo do meu inferno astral.
Assim como tarô, búzios e simpatias, nunca acreditei em horóscopo. Mas conheci alguém que acreditava e absorvi desta mulher alguns fragmentos dessa ciencia. Ela é de escorpiao.
- Sou seu inferno astral, que pena né? Foi uma das primeiras frases que ouvi-la dizer.
Sou marido, pai, filho, amigo, amante. Será isso o suprassumo do que ela espera de mim? Ela não espera de mim um desafio, não anseia pela hora de eu começar a chegar tarde em casa, de ela passar-se por situações de ambiguidade, dúvidas? Sou pra ela todo esse porto seguro indigno de qualquer suspeita?
- Droga! O pequeno corte jorra um sague vermelho um tanto branqueado, já reconheci meu sangue mais intenso, vivo, de um vermelho que me identificava mais que meu próprio rosto. Ao limpar com papel higiênico, tentei lembrar da última vez que o vi. Foi no aniversário de Abigail, de uma data jurássica, onde eu cortei meu pé próximo ao calcanhar em um caco de vidro que sobrou do pote de pepinos que ela arremessou em minha direção na noite anterior. Eu não lembro o motivo, mas sei que o mereci, e melhor, que deveria ter me acertado em cheio, um pote daquela estrutura causaria alguma sequela, tenho certeza. Eu queria vê-la arrependida já que nunca a vi, eu desejava vê-la sem reação. Eu a desejava somente ao avesso: que sua vontade de me ter cessasse. Eu desejava, naquele instante, um repúdio que ela não demonstrava e assim como fazem os casais que se amam, ela brigava, me exigia algo que eu não dava sequer a intenção de dar. Eu não queria sexo naquela noite, eu não queria dormir com ela e não trazia nenhuma mágoa recente para justificar, apenas não queria seu corpo próximo ao meu.
Abigail, vaidosa e com todo o direito de ser, não suportava meus períodos de inverno. Aquela mulher era verão o tempo inteiro, calor na pele, lingua sem freio, destemida. Mulher de áries, cabeça-dura, cabeça linda, com seus fios camomila descendo pelos ombros, finos como uma teia.
Como uma teia...
- Amor, tô atrasada. Sua voz vinha da cozinha, devo ter me passado no banho mesmo já que ela acordou e preparou todo o café, enquanto ainda estou aqui, analisando a forma que o sangue toma ao coagular-se. Rapidamente finalizei a barba revelando um rosto branco, meus olhos se destacaram e senti que de certa forma aparentei estar bem mais moço. Acompanhando o impulso de ver meu rosto mais jovem, tomei um banho rápido e frio, a fim de recuperar o viço da pele. O band-aid no lugar do corte me deu um ar aventureiro. Ri de mim mesmo: cortar o rosto foi minha maior aventura em meses.
Abri a porta do banheiro onde Abigail, inquieta como sempre e não pelo atraso, entrou rapidamente e olhando a sujeira que fiz na pia, voltou e me puxou pelos ombros, já que eu estava de costas. Meu olhar cabisbaixo e envergonhado por não antever sua reação alimentou seu olhar de desejo: ela passou as mãos pela minha pele do rosto desnudada e me beijou profundamente, primeiro o lábio inferior, depois o superior. Por fim, ambos. Seu desejo por mim foi transmitido pela boca, onde reagi em perfeita sincronia e nossas peles se colaram. Eu, nu, e ela de camisola, entramos no box do banheiro e ela, usando uma das mãos, ligou o chuveiro, onde ela não imaginava que jorraria uma água fria. Ri timidamente do seu espanto e ela riu de si mesma.
- Ficou lindo...Disse ela, ao mesmo tempo em que retirava a camisola, revelando-se mais linda do que imaginava. Há meses eu não enxergava Abigail além dos meus olhos acostumados e creio que o mesmo se aplicava a mim. Entre um corte e um jato de água fria surgiu felicidade. Ali vi que amar não é um sentimento de certezas, se ama nos intervalos e minhas dúvidas sobre Abigail escorreram pelo ralo da pia.
Nós não fizemos amor mas eu o queria e ela também, deixamos esse desejo em fogo-brando já que realmente ela estava atrasada. Esperei ela vestir-se e ainda nu, sentado na ponta da cama, com as mãos cobrindo meu pênis, fiquei admirando-a enquanto se vestia. Calcinha, sutiã...por fim o vestido. Como eu queria tirar-lhe a roupa, jogá-la naquela cama umedecida com a água que não sequei do meu corpo e fazê-la rir da nossa pequena traquinagem...
Enquanto ela colocava os brincos, olhando-se no espelho, notei que eu estava com um riso sincero no rosto. Quando ela se virou e me viu, sentado, como um menino tímido contemplando uma mulher, ela abandonou o brinco que tentava pôr e veio em minha direção. Sentou no meu colo e não importou-se com minha pele úmida, e me beijou, segurando meu rosto liso ao mesmo tempo que meus braços a entrelaçavam.
- Preciso. Ir. Agora! E entre uma palavra e outra, Abigail me dava um beijo, igual quando fazíamos na época em que namorávamos no carro, às escondidas. As despedidas sempre foram minha parte preferida, pra tudo. Os arremates me interessavam mais que o desenrolar da trama em si, os pontos de chegada, os pontos de repousos.
Mas estes três beijos não eram finais: era a deixa para o que ocorreria mais tarde, sem pressa. Não foi somente meu rosto que rejuvenesceu, meu casamento voltou 20 anos atrás e a ausencia da barba foi meu álibi para forçá-la a ver-me como antes, mesmo que não tenha sido minha intenção primária. E os beijos intercalados que ela me deu agora tinham a mesma serventia. Serviam para me dizer que ainda há uma Abigail que amo.
Com a mente totalmente varrida de qualquer lembrança – atribuo isso ao estado pleno de felicidade - , me vesti e tomei meu café. Deixei dinheiro para a empregada fazer as compras, acrescentei alguns itens na lista e saí munido apenas de carteira e celular. Era tudo que precisava para hoje.
Quando estava com os dois pés fora de minha calçada, passo a mão no rosto e me recordo: estou sem barba. Senti uma fisgada no estômago e quis, naquele momento, que todo mundo que conheço me visse agora. Já imaginaria os resultados: meio mundo adoraria, outra metade detestaria. Assim como tudo, alguns abraçam o novo e outros enterram os pés no velho. Até hoje pela manhã, eu me enquadrava no segundo grupo. A rotina representava a plenitude, sempre me pareceu o melhor terreno para fazer planos. O descontrole era o meu inferno pessoal.
Caminhei e dei uma volta na quadra afim de reconhecimento. Na verdade, eu quis apenas caminhar, pegar sol na cara, talvez comprar o jornal, não sei ao certo. Saí parcialmente sem rumo, aguardando algo novo que sei que não aconteceria. Eu não sabia o que fazer com essa felicidade que caiu no meu colo pela manhã. Me senti bobo, coisa de guri com a primeira namorada.
Lembrei de Abigail nua no banheiro. Maliciei com a cena e logo senti o incômodo da ereção. Fui caminhando em direção ao muro de uma grande loja que não estava aberta e sem cerimonia ajeitei meu pênis na cueca. Há tantas desvantagens femininas – mestruação, tpm, gravidez, etc – mas são males que as afligem com horários, elas tem a oportunidade de prevenirem. Eis aqui a desvantagem masculina: a ereção. Primeiramente porque quando ela acontece, é notável – alguns mais, outros menos – é espontânea e nem sempre acontece por excitação. Lembro que Abigail adorava me constranger em público quanto a isso: beijava-me os lóbulos da orelha, pescoço, passava a mão na minha virilha somente para vê-lo crescer. Logo após alcançar o objetivo, me deixava literalmente na mão. Ela ria do meu constrangimento mas a verdade é que isso era uma injeção em sua autoestima. E eu me virava como podia, colocando moletons na cintura, andar meio incurvado – o que mais tornava óbvio do que disfarçava, mas eu não percebia – e quando a situação permitia, me masturbava.
- Porque voce gosta de fazer isso comigo? Perguntava eu, entre a ingenuidade e a safadeza, no auge dos 17 anos.
- Porque gosto de te deixar querendo mais...Respondia, com o riso mais sacana que já vi na vida. Quando ela ria daquela forma, eu sabia: game over, Francisco. O jogo acabou, pelo menos para ela. E ainda complementava:
- Adoro essa carinha de cachorro pidão....e me beijava, e muitas vezes recomeçava o processo, o que eu adorava e odiava ao mesmo tempo, brincadeira que me enlouquecia e me mostrava a realidade: é ela quem comanda nossa relação. Eu obedeço e cedo. Ela inciava e finalizava. E eu que me contentasse. E eu sempre me contento...
O sol que prometia um calor massante foi logo se apagando, como uma lanterna com pilha fraca. Olho para o céu: nuvens carregadas e sinto a premeditação do vento forte que virá.
Temporal. Preciso ir para casa. Me apresso e passo por uma banca de revista que não vi quando realizei o percurso de ida. Há 20 metros do edifício onde, apartir de ontem, comecei a morar, compro o jornal e vejo a data: 27 de outubro. Primeiro dia de escorpião, começo do meu inferno astral.
Assim como tarô, búzios e simpatias, nunca acreditei em horóscopo. Mas conheci alguém que acreditava e absorvi desta mulher alguns fragmentos dessa ciencia. Ela é de escorpiao.
- Sou seu inferno astral, que pena né? Foi uma das primeiras frases que ouvi-la dizer.
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