domingo, 30 de janeiro de 2011

My dear

E então nos divorciamos. Pensei que choraríamos, mas não. Imaginei que nos arrependeríamos e voltaríamos, ambos mais crédulos e apegados ao "felizes pra sempre" embora a a situação esteja mais condizente com o "até que a morte os separe".

Não foi a morte que nos separou. Quem dera, pois nada mais lindo que uma viúva. Esse status combina comigo, não concorda? Viuvez dá a portadora do título uma atmosfera romântica que aos olhos dos outros transmite amor. Porque nós sabemos - ou fomos programados a acreditar - que somente a morte separa duas pessoas que se amam. E a viuvez é um atestado reconhecido de que enfim, a morte cumpriu-se ali como o separador definitivo, como se antes dela houvesse um mar de rosas no qual o casal se banhou.

My dear, ninguém morreu, mas segue-se esse clima de velório. Eu era uma antes de te conhecer, e acreditei que o divórcio me devolveria essa faceta de minha personalidade, te culpei por essa minha condição de mulher casada sem ambições. Joguei nos filhos, no tempo livre que nunca quis e nunca lutei para ter, entreguei-me e transformei num fardo uma vida compartilhada contigo e agora, segurando nossa certidão de casamento anulada, pergunto, ou melhor, imploro pra saber como faço pra anular essa que não me serve mais.

Eu não me amo. Não mais. Passei a olhar minhas fotos do ginasial, da faculdade, estou saudosa de mim, olha pra essa foto que te envio, não estou radiante? Sim, estou. Nem passava pela minha cabeça que te encontraria, que casaria, teria filhos. Não com voce, que do pouco que pude antever do seu caráter já mostrou-se como alguem que não me agradaria, caso a paixão não anulasse minha capacidade de ponderação.

Agora, sem paixão, oca, pondero: saberei ser infeliz sozinha? Esta casa está vazia e mesmo assim, quando passo pela porta, sinto que preciso empurrar com força para poder passar por ela.

Lembranças demais, esse apartamento está soterrado de lembranças, 15 anos dá para encher uma cobertura de imagens que juntas, formam o mosaico no qual reflete nossa vida juntos. O problema é que só consigo juntar os pedaços que menos gosto e o que reflete é a frustração de não saber o que de fato me faz feliz.

O divórcio não aliviou como pensei que iria. Ele é só um papel, não é uma cancela que vai abrir caminho para minha maturidade. Esse documento é na verdade a prova real que necessitei pra constatar que não sou feliz. A parte reveladora é que sem voce para culpar minha infelicidade, a quem culparei?

My dear, voce nem sequer entrou na questão financeira do nosso prejuízo e isso me feriu de morte, afinal, ficou claro que voce não economizaria em nada para se ver livre de mim. Ou então voce confiou nos meus principios e soube que, apesar da mágoa, eu não me apropriaria do que não fosse meu mas te digo que não posso continuar aqui, tudo que voce tocou me machuca. Portanto, fique com o apartamento, a mobília, não levarei um sapato sequer, tenho vontade de sair nua deste apartamento e estreiar, a milhas de distância daqui, essa mulher que ainda não tem nome, sem passado, sem lembranças.

Sem voce.