quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Ao meu príncipe encantado

Você me ama por que eu não te amo.

Eu te amo porque você me ama.

Você não me ama mais por que eu te amo

A estupidez da estrofe acima é o que rege meus relacionamentos, uma relação cármica que governa essa atmosfera da qual cada vez mais desprendo menos energia. É sabido que uma vez conquistado, o objeto amado deixa de ser desejado, confirmando que a expectativa supera - e muito - o prazer do objeto conquistado.
Mas pensei que isso se aplicava somente a camisas, sapatos e bolsas. Desejar algo da vitrine é fácil, a luz incide perfeitamente, o comercial induz status, o cheque especial viabiliza, mas conquistar pessoas e deixa-lãs junto a cintos e sapatos, pendurados no armário à espera de uma lembrança, é inaceitável.
Reconheço tal comportamento porque já fui um desses sapatos. Enquanto me demonstro inatingível, firme, inflexível a qualquer barganha e longe do consumo, sou superiormente interessante. Mas uma vez me conquistado, uma vez ter arrancado as três palavras, perco, e de súbito, todo o interesse inicial.
O meu valor de mercado cai. E então, parte-se rumo a uma nova conquista.
Noto que o que mais aprendo é que ninguém quer um amor e sim um acessório que ande, fale -e principalmente, que fale - pois demonstração de afeto repele qualquer pessoa.
Voce deve dizer, escrever, falar mas nunca demonstrar um carinho. Carinho é sarna, lepra, só de encostar, pega.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Não quero fazer feio no que tenho a dizer, é incomum esse hábito, um papel a mão, com letra, tão pessoal. Receber uma carta manuscrita é mais íntimo que ouvir um eu te amo.
Voce vê que daqui de onde estou eu só me defendo? Você nota que um abraço meu tem que ser milimetricamente calculado afim de não te provocar embaraço?
 Você diz eu te amo com a boca, com emails, torpedos. Não é à toa que te acho superiormente mais interessante do que eu, sempre milhas a frente, você já veio pronto, sabido demais enquanto eu estacionei, versão beta, arcaica, eu deveria ser estudado, não é mais comum tanta cafonice, eu e essa carta escrita combinamos, somos simbióticas, partilhamos juntos da nossa trilha rumo a extinção. Você, mais apto, reina sobre mim.

Fernando

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O medo

Voce me pede calma, eu me peço calma, pedir, pedir, pedir, que tal oferecer uma dose desse negócio que só conheço na teoria? Que tal dividir o segredo de entorpecer os medos, de equilíbrio, de comportamento socialmente aceitável, que tal sorver um pouco do que me aflige, que tal segurar minha mão enquanto essa agulha entra no meu braço vc sabe que odeio agulhas, vc sabe que odeio hospital, vc sabe que não tenho calma. Vc sabe tanto...e me pede somente o que não posso ter.


Eu não sei mais fazer. Seja o que for que essa amostra vá dizer, eu já decidi por mim, é a última vez. Não tenho calma e também não tenho mais vontade de ponderar. Se esse é o tempo que me resta, chega de barganhá-lo. Não me impeça de interromper o tratamento, ele serve para alguém que deseja protelar a vida que se tem, não é meu caso.

Eu não vivi nada do que imaginei e o choque entre os fatos e o meu nítido insucesso fantasioso não é o mais difícil de lidar. O mais difícil é não ter futuro, é o solavanco que vem do estomago, o vomito aparentemente resultado de nervosismo, dessa minha estréia pouco convidativa que é morrer.

Se minha vida não foi interessante, poderei ao menos fazer da minha morte um espetáculo razoavelmente atraente?

Voce não sabe nada, não é você o alvo das retaliações, sou eu que me olho todo dia e penso o que que eu fiz com a merda da minha vida? Vamos, diz você? O que eu fiz?

Eu não fiz nada. Eu vim a passeio, não me aprofundei em nada, meus filhos amam o palhaço que decorou bem as falas e fez as caretas certas, usei meu pai como reflexo inverso e dá-lhe Freud pra explicar meu tendencioso comportamento. Psicologia reversa, eu sei, igual se aplica a crianças.

Eu não cresci, cara, foi isso. Não virei homem. Comer as vagabundas do meu bairro, me formar em engenharia, largar a vida de solteirão, casar, separar, acordar cedo até nos domingos, correr de manhã, comer menos carboidratos, exercício, leituras, tudo tudo cara, tudo foi só na superfície, nunca me aprofundei, fui um eterno rascunho, eu prometia ! Mas não cumpri o esperado, meu prazo venceu, virei um dos projetos que que enterro na gaveta. Não faltou capital, faltou essa coisinha mágica que todos dizem ser o nosso ponto de equilíbrio: maturidade.

Cara, to aqui chorando feito criança, me mijei nas calças porque senti uma pontada, a dor veio, tranquei a respiração pra acelerar o processo, pensei que se eu facilitar não ia doer tanto, jurei é agora, me fudi, quase rezei mas senti que Deus tava olhando e não botou fé na minha reza, pensei no peito que inchava, o sangue que parecia ser feito de magma, fechei os olhos eu não morri, cara eu não morri porra to esperando a morte já aceitei a idéia mas ela não vem, ta assistindo de camarote eu perder minha lucidez, meu amigo, não posso voltar ao hospital, não da mais. Tenho pressa pra crescer, tenho pressa pra entender o homenzinho de nada que fui e quem sabe, aos 45 do segundo tempo, ganhar paz de espírito pro inevitável.

Dizem que admitir sua fraqueza já é sinal de sabedoria. Eu espero que isso ajude.

Um abraço do seu amigo


Tom