quarta-feira, 11 de maio de 2011

Saiba

Estou te escrevendo com a idéia solta no ar, fica difícil estabelecer critérios pra te explicar tudo isso pois pensei que seria melhor falar e por isso te liguei naquela hora mas não veio a lógica de ordenar palavras, não havia sincronicidade entre meu cérebro, minha boca e minha língua, sofri de uma paralisia absurda e você notou, claro que você notaria, casou comigo, esteve comigo por doze anos e Marcelo, doze anos é tempo o suficiente pra você saber que aquela cena ao telefone era um grito na madrugada te dizendo que algo estava mal.

Eu não sou levada a falhas, eu não gaguejo, eu não entro na arena desarmada mas ali, segurando o gancho do telefone e ouvindo a sua voz sussurrada eu perdi a linha de raciocínio, o textinho pronto que tinha planejado tomou Doril e fiquei ali, muda, com o holofote invadindo a minha cara e então senti um soco vindo do estômago.

Eu nunca fui pega desprevenida. Voce sabe, sou a rainha do Plano B. Eu planejo falhas, essa minha obsessão e repúdio por erros me tornou essa profissional qualificada, com Doutorado encaminhado, reconhecimento internacional, uma mulher promissora ! Quantas revistas me classificam assim? Vinte e sete. Eu contei. vinte e sete revistas alegando que prevejo e me preparo para erros impossíveis de acontecer e então me vejo aqui, com um telefone na mão e uma lágrima brotando na minha retina e meu império ruiu ao custo de uma ligação internacional.

Marcelo, eu não acho justo lhe contar assim, por carta, mas não há outro jeito. Não sairei daqui em menos de quarenta dias e preciso urgentemente te informar que você não faz mais parte da minha vida. Eu relutei por nove dias em te contar, mas agora que vejo que não se trata de um acontecimento trivial, não há mais volta, só vejo o divórcio como saída a isso. Eu perdi a cabeça por um rapazote, nem penso direito se devo te contar, era um empregado do hotel onde fiquei tres dias. Nada em especial, era mais novo, bom corpo, mas não existiu uma busca desencadeada nesse rapaz. Ele me secou no elevador e aquela situação veio bruta em mim. Da portaria ao 19º andar leva-se menos de dois minutos e esse me foi o tempo dado para análise e não soube muito bem entender o que me levou a convida-lo para entrar no meu quarto.

Marcelo, não quero prosseguir em detalhes. Transar com o garoto foi o menos importante, na verdade nem sei ao certo se gostei e isso não é tentativa de criar atenuantes a situação. O fato é que percebi que ainda desejo algo que não está nas minhas mãos, na minha rotina e preciso ir atrás disso. Não estou negligenciando a felicidade proporcionada enquanto fui casada contigo, apenas estou tendo a decência de avistar a ponta do iceberg e esta carta é o S.O.S que nos salvará intactos. Precisamos abandonar o barco, Marcelo. E nestes casos, você conhece a regra: mulheres e crianças primeiro.

Eu não estou bem certa sobre meu futuro mas não balbucio sobre o meu presente e você precisa ao menos respeitar essa decisão. Eu não te pertenço mais. E com toda essa frieza que te informo, também sou informada de que você também não me pertence. Mas, ao menos tenho a meu favor a certeza de que algo virá, tenho uma bússola e ela aponta ao norte e você está no sul, parado, esperando pela mulher que não voltará tão cedo e que quando voltar, não será para esta casa. Quanto as questões legais, pedirei a um colega de trabalho ter discrição para tomar todos os cuidados. Te deixarei o que é justo, nada mais, afinal você tem suas economias e não considero justo dar-lhe minhas conquistas em troca de uma transa que sequer foi boa. Pegue tudo que foi seu e saia da minha casa. Não estou te expulsando, mas trabalhe com prazos, você sabe quando volto e quero a casa inteira pra mim. Alugue um flat, vá morar com seu irmão, você tem 4, algum irá te consolar e aposto meu dedinho mínimo que será o Artur, ele sempre disse que não sou mulher pra você e ele sempre esteve tão enganado porque eu fui a mulher ideal pra ti. Olhe-se no espelho: um homem bem sucedido, amadurecido, dono de si. Você virou homem na minha mão, fiz um excelente trabalho e foi muito gratificante viver com você, apenas não farei a reverência ao passado tornar repugnante ao meu futuro.

Sejamos então dois adultos e tratemos logo dessa situação. Procure um lugar para ficar até que a situação esteja plenamente estabelecida e então, de cabeça fria e pensamentos reordenados, sentaremos para minimizar os prejuízos.

Mas antes de encerrar, saiba que se faço isso desta forma tão asséptica, o faço para assegurar que tudo que vivemos foi verdade, para não lhe por dúvida que os doze anos na tua companhia serão magistralmente lembrados e arquivados como uma excelente passagem. Pois amar, meu querido, também consiste em saber a hora de parar.

Raquel